segunda-feira, 23 de junho de 2008

Mais um daqueles dias...





Daqueles que estou distraída, em que o meu olhar se perde numa paisagem imaginada... O cérebro estagna, é como se apenas o corpo permanecesse... eu vou para bem longe da monotonia do meu dia-a-dia... o problema, é que estas "idas" tem vindo a aumentar de duração.



Enfim, sou mais uma tv a preto e branco que de vez em quando tenta funcionar... mas sempre com "chuva".

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Raiz de Orvalho

Sou agora menos eu

e os sonhos

que sonhara ter

em outros leitos despertaram



Quem me dera acontecer

essa morte

de que não se morre

e para um outro fruto

me tentar seiva ascendendo

porque perdi a audácia

do meu próprio destino

soltei ânsia

do meu próprio delírio

e agora sinto

tudo o que os outros sentem

sofro do que eles não sofrem

anoiteço na sua lonjura

e vivendo na vida

que deles desertou

ofereço o mar

que em mim se abre

à viagem mil vezes adiada




De quando em quando

me perco

na procura a raiz do orvalho

e se de mim me desencontro

foi porque de todos os homens

se tornaram todas as coisas

como se todas elas fossem

o eco as mãos

a casa dos gestos

como se todas as coisas

me olhassem

com os olhos de todos os homens




Assim me debruço

na janela do poema

escolho a minha própria neblina

e permito-me ouvir

o leve respirar dos objectos

sepultados em silêncio

e eu invento o que escrevo

escrevendo para me inventar

e tudo me adormece

porque tudo desperta

a secreta voz da infância




Amam-me demasiado

as cosias de que me lembro

e eu entrego-me

como se me furtasse

à sonolenta carícia

desse corpo que faço nascer

dos versos

a que livremente me condeno




Mia Couto

quarta-feira, 11 de junho de 2008

.




Procuro-me no teu olhar, que me desarma rápidamente, como se apoderasse de mim. Queria ter-te aqui, bem perto, para sentir a tua respiração na minha pele, o teu olhar no meu.

Se apenas me sentisses...


*

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Vagueio pelo nevoeiro das minhas memórias... a cada dia me parecem mais distantes, menos familiares, como se fossem de outra pessoa... Não me reconheço, não que alguma vez me tivesse conhecido, mas estou de facto pior.

Sobrevivo sem razão, arrasto-me dia após dia, procurando pequenos prazeres. Mas nem tudo é mau, aprecio a mais infima coisa, o mais pequeno pormenor. Duvido que me lembre no dia seguinte... Será que irei perder totalmente a memória? Ficarei um ser errante? Arrisco-me a dizer que serei uma espécie de zombie, mas sem o instinto assassino. E já chega destas pobres palavras.

domingo, 1 de junho de 2008

Não sei quantas almas tenho




Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa